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O silenciamento de Jeferson Tenório: CENSURA DIGITAL, RACISMO ALGORÍTIMICO e o DESCASO da Meta

Por: Raul Silva – O Estopim

 

O Estopim – O banimento permanente do perfil de Jeferson Tenório no Instagram representa mais que uma simples “moderação de conteúdo”. É o ápice de uma perseguição sistemática de quatro anos contra um dos mais importantes escritores brasileiros contemporâneos, cujo único “crime” foi escrever sobre racismo estrutural e violência policial no Brasil.

 

Capa do livro ‘O Avesso da Pele’, de Jefferson Tenório,
retratando um homem negro se preparando para mergulhar,
simbolizando temas explorados no romance

 

A perseguição a Jeferson Tenório começou em 2021, quando “O Avesso da Pele” ganhou o prestigioso Prêmio Jabuti na categoria romance literário. O reconhecimento, longe de protegê-lo, o transformou em alvo prioritário da extrema direita brasileira. As primeiras ameaças chegaram após ele escrever sobre Paulo Freire em sua coluna no jornal Zero Hora. Mas foi em 2022 que a violência digital escalou dramaticamente. Após anunciar uma palestra em uma escola de Salvador, Tenório recebeu ameaças de morte explícitas através do Instagram. O usuário anônimo @estudante_anonimo123 enviou mensagens dizendo que ele teria seu “CPF cancelado” caso comparecesse ao evento. “Eh mlhr vc meter o pé e sair do país. Se nn vc tá fudido irmão”, dizia a mensagem. As ameaças foram tão específicas e credíveis que a escola optou por realizar o encontro virtualmente, reconhecendo sua incapacidade de garantir a segurança física do escritor. Tenório registrou boletins de ocorrência, mas as ameaças continuaram após a palestra.

O ano de 2024 marcou uma escalada qualitativa na perseguição quando múltiplas secretarias estaduais de educação – Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul – coordenaram ações para remover “O Avesso da Pele” das bibliotecas escolares. A justificativa oficial era sempre a mesma: “expressões impróprias para menores de 18 anos”. Mas a hipocrisia era gritante. Como observou sarcasticamente o próprio Tenório: “O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras”. A diretora Janaina Venzon, da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira (RS), foi particularmente explícita em seu racismo estrutural. Em vídeo que depois apagou, ela declarou: “Lamentável o Governo Federal através do MEC adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível”.

 

O banimento definitivo do perfil de Tenório no Instagram, ocorrido no início de junho de 2025, seguiu um padrão familiar: censura silenciosa, sem justificativa específica, sem direito de defesa. O escritor, que havia construído um diálogo direto com 80 mil seguidores, descobriu-se digitalmente aniquilado da noite para o dia. “No primeiro momento, achei que a minha conta havia sido hackeado, mas depois veio a confirmação de que o meu perfil foi banido pela empresa Meta sob a alegação de que não se enquadrava nas diretrizes da plataforma”, relatou Tenório. Nenhuma explicação adicional foi fornecida.

A recusa sistemática da Meta em responder questionamentos sobre o banimento revela uma estratégia deliberada de censura por desgaste. Múltiplos veículos de imprensa – UOL, Estadão, G1, CNN Brasil – contataram a empresa. Nenhum recebeu resposta. Este silêncio não é passividade; é política ativa. Ao recusar-se a justificar suas decisões, a Meta transforma cada banimento em um ato de soberania corporativa absoluta, onde não há instância de recurso, transparência ou prestação de contas. A coincidência temporal entre o banimento de Tenório e casos similares – Jones Manoel, Manuela d’Ávila, diversos perfis progressistas – expõe o caráter sistêmico e coordenado desta operação de limpeza ideológica. Particularmente revelador é o timing: faltando pouco mais de um ano para as eleições de 2026, quando o debate sobre racismo, educação e violência policial – temas centrais da obra de Tenório – tende a se intensificar. Como ele próprio observou: “faltando um ano para as eleições no Brasil, uma eleição que promete ser bastante difícil, acho que tem um envolvimento político também”.

Tenório revelou um detalhe crucial: dias antes do banimento, ele havia publicado uma crítica comparando Bolsonaro a Trump. Pouco depois, sua conta sofreu o que ele suspeita ter sido um “ataque em massa” – técnica onde grupos organizados reportam simultaneamente um perfil para forçar sua suspensão automática. Esta weaponização dos próprios mecanismos de moderação da Meta representa uma sofisticação táctica da extrema direita digital. Eles não apenas produzem ameaças diretas, mas manipulam os algoritmos para que a própria plataforma execute a censura, criando uma aparência de neutralidade técnica. “Se for isso que aconteceu comigo mostra que há uma grande falha na Meta de não conseguir fazer esse tipo de avaliação”, observou Tenório. Mas esta “falha” pode ser, na verdade, uma feature funcionando perfeitamente conforme o design corporativo.

A obra de Tenório não é atacada por acaso. “O Avesso da Pele” narra a história de Pedro, jovem negro cujo pai professor foi assassinado por policiais que o confundiram com um bandido. É uma denúncia literária do genocídio da população negra brasileira através da violência estatal. O romance expõe três pilares do projeto político da extrema direita brasileira: o racismo estrutural, a brutalidade policial e a precariedade educacional como instrumentos de controle social. Por isso, atacar Tenório é atacar uma cosmovisão antirracista que ameaça as bases ideológicas do conservadorismo brasileiro. A capitulação das secretarias estaduais em 2024 revelou como instituições públicas podem ser instrumentalizadas para executar a agenda censória da extrema direita. O fato de que “O Avesso da Pele” faz parte do PNLD – programa federal que aprovou a obra após rigorosa avaliação técnica – não impediu governadores de desautorizar unilateralmente decisões pedagógicas. Esta hierarquização política sobre critérios técnicos representa um golpe na autonomia educacional e um precedente autoritário perigoso.

A campanha de solidariedade a Tenório conseguiu mobilizar personalidades como Chico Buarque e Drauzio Varela, além de mais de 6.400 assinaturas em um abaixo-assinado contra a censura. A Companhia das Letras, sua editora, emitiu notas de repúdio e acionou a Justiça contra as tentativas de censura. Contudo, esta resistência liberal tem limitações estruturais. Enquanto se concentra na defesa da liberdade de expressão em abstrato, evita confrontar diretamente o caráter racial e classista da censura. A branquitude intelectual progressista solidariza-se com Tenório, mas evita radicalizar o debate sobre como racismo e censura são fenômenos indissociáveis.

O banimento de Tenório no Instagram representa prejuízo econômico direto e mensurável. Como escritor contemporâneo, ele dependia da plataforma para divulgar agenda de palestras, lançamentos de livros e interação com leitores. A redução drástica de alcance – de 80 mil para 3,2 mil seguidores – equivale a uma amputação digital de sua capacidade de subsistência profissional. Seus advogados do escritório FFM são explícitos: “a exclusão arbitrária reduz drasticamente o alcance do trabalho de Tenório, prejudicando sua atuação como escritor, educador e figura pública”. Esta é a violência econômica da censura digital: destruir meios de subsistência de intelectuais dissidentes.

O silêncio sistemático da Meta diante das ameaças de morte que Tenório recebeu através de sua própria plataforma revela uma cumplicidade ativa com a violência racista. A empresa que censurou imediatamente uma conta que denuncia racismo foi a mesma que protegeu contas que promovem racismo. Esta seletividade não é acidental, mas estrutural. A Meta opera como um mecanismo de apartheid digital, onde vozes negras críticas são sistematicamente silenciadas enquanto discursos supremacistas circulam livremente. A recente guinada explícita da Meta – encerrando a checagem de fatos, afrouxando regras contra discursos de ódio, nomeando republicanos para cargos-chave – institucionaliza o que já era prática clandestina. O caso Tenório demonstra que essa virada à direita não começou em 2025, mas vinha sendo testada e refinada há anos através de experimentos de censura seletiva.

O caso Jeferson Tenório expõe a brutal realidade do apartheid digital brasileiro: escritores negros que denunciam o racismo são sistematicamente perseguidos, censurados e economicamente estrangulados por uma aliança entre extrema direita política, instituições públicas cooptadas e corporações tecnológicas globais. Não se trata de um caso isolado, mas de uma operação coordenada de silenciamento que combina ameaças físicas, censura institucional e aniquilação digital. O sucesso desta perseguição – Tenório permanece banido enquanto seus perseguidores operam livremente – demonstra a eficácia desta nova forma de controle social. A luta pela reativação do perfil de Tenório é, portanto, muito mais que uma questão de liberdade de expressão. É uma batalha antirracista contra um sistema de dominação que usa a tecnologia para perpetuar estruturas de opressão racial sob uma fachada de neutralidade corporativa. A democracia brasileira será testada por sua capacidade de proteger intelectuais negros que ousam narrar as violências que estruturam nossa sociedade. Por enquanto, este teste está sendo reprovado com nota zero.

Edição: Raul Silva – O Estopim / Republicado: Muira-Ubi Web Rádio

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